terça-feira, 5 de maio de 2009

A terra é suficiente

De acordo com o ponto de vista dominante, estamos a usar vorazmente os recursos e a viver além das possibilidades da Terra.
De acordo com o ponto de vista dominante, estamos a usar vorazmente os recursos e a viver além das possibilidades da Terra. Esta narrativa de declínio e pessimismo está na base de grande parte do actual discurso ambiental, e é muitas vezes formulada de forma simples: em 2030 vamos precisar de dois planetas para nos sustentar, devido a padrões de vida mais elevados e ao crescimento da população. Se todas as pessoas conseguissem viver de acordo com os padrões de vida actuais dos Estados Unidos, iríamos precisar de cinco planetas. Mas este ponto de vista está errado.Os ambientalistas usam a chamada "pegada ecológica" - área que cada um precisa no planeta - para defenderem o seu ponto de vista. Obviamente, nós utilizamos terra de cultivo, terra de pastoreio, florestas e zonas de pesca para produzir a nossa comida, fibra e madeira e necessitamos de espaço para as nossas casas, estradas e cidades. Precisamos, ainda, de áreas que absorvam os resíduos emitidos pelo nosso consumo de energia. Transferir todas estas exigências para uma unidade comum de área física dá-nos a oportunidade de a comparar com área produtiva da Terra - e assim, ter uma ideia de quão sustentável somos.Durante mais de uma década, o World Wildlife Fund (WWF) e outras organizações de conservação realizaram cálculos complicados para determinar as "pegadas" individuais no planeta. Os seus números mostram que cada norte-americano usa 9,4 hectares do globo, cada europeu 4,7 e cada habitante dos países mais pobres apenas uma. Tudo somado, usamos 17,5 mil milhões de hectares.Infelizmente, só existem 13,4 mil milhões de hectares disponíveis. Assim, a WWF defende que já estamos a viver 30% acima das possibilidades da Terra e que a situação vai piorar. Dizem-nos que a recente crise financeira "não é nada quando comparada com a ameaçadora crise de crédito ecológica", que pode antecipar "um colapso, em larga escala, do ecossistema".Esta mensagem está a pesar na consciência da opinião pública. O jornal britânico "The Observer" usou o título "Procura-se: Nova Terra em 2050"; de acordo com a BBC, a Terra "está a caminho de uma crise ecológica" e o "The Washington Post" estava horrorizado com os quatro planetas que são necessários e pediu-nos para usarmos mais sacos de lona e lâmpadas eficientes.A mensagem tem sido recebida de forma ruidosa e clara. Estamos a usar demasiada área do planeta. Mas esperem um minuto. Como é que podemos fazer isso? Como é que podemos usar mais área do que a que existe na Terra?Obviamente, qualquer medida que tente agregar diferentes aspectos do comportamento humano terá que simplificar os "inputs"; não é diferente com a pegada ecológica. Por exemplo, quando referimos que o estilo de vida americano necessita de cinco planetas, estamos a assumir que não existe progresso tecnológico, quando é provável que a produtividade da terra aumente drasticamente. Da mesma maneira, a agricultura biológica deixa, actualmente, uma pegada maior que a agricultura convencional.Apesar destas falhas, é evidente que as áreas que usamos para construir estradas não podem ser usadas para a agricultura e que destruímos parte das florestas para construirmos as nossas casas. Esta parte da pegada ecológica é uma medida conveniente da nossa verdadeira pegada na terra. Neste caso, utilizamos 60% do espaço disponível e esta proporção tem tendência a diminuir, devido ao abrandamento da taxa de crescimento da população, enquanto o progresso tecnológico continua. Não existe, assim, nenhum colapso ecológico.Existe apenas um factor que continua a aumentar: as nossas emissões de carbono. Não é, de todo, óbvio como converter CO2 em superfície. O WWF e alguns investigadores optaram por definir a área de emissões como a área de floresta necessária para absorver o CO2 gerado pela actividade humana. Esta área representa mais de 50% da pegada ecológica e vai crescer até três quartos do total até 2050.Na essência, dizem-nos que deveríamos reduzir as emissões a zero e plantar árvores para alcançar esse objectivo. Actualmente, isso significaria plantar árvores numa área 30% superior à disponível e em quase dois planetas em 2030. Isto é pouco razoável.É realmente necessário cortar todas a emissões? Cortar cerca de metade de todas as emissões iria reduzir as concentrações de dióxido de carbono no médio prazo. E sobretudo, plantar árvores é uma das formas menos eficientes de reduzir o carbono. As células solares e as turbinas eólicas exigem menos de 1% da área florestal para diminuírem o CO2, são cada vez mais eficientes e podem ser muitas vezes colocadas em terras não produtivas (por exemplo, turbinas eólicas no mar ou painéis solares no deserto. Desta forma, a assustadores crise ecológica desaparece.Devido à tecnologia, a procura individual no planeta já caiu 35% durante o último meio século e a procura colectiva vai atingir o nível máximo antes de 2020 sem atingir o limite dos recursos disponíveis.Transformar o CO2 numa medida ineficiente e ilógica da superfície das florestas parece que tem como objectivo principal gerar uma mensagem de alarme. Na literatura científica, um especialista destacado reconhece que a maioria dos especialistas consideram este método "difícil de defender". Outras duas equipas de investigadores sublinharam que a pegada ecológica "por si só, não é nada mais do que um dispositivo importante para chamar a atenção" e que "é mais uma forma de chamar a atenção da opinião pública e do poder político do que uma medida cientifica". Quando analisamos realmente os cálculos da pegada ecológica, descobrimos que a única coisa que se está a esgotar no mundo é o espaço para plantar quantidades colossais de florestas imaginárias, que de qualquer forma nunca iriam ser plantadas, para evitar as emissões do CO2 que podemos prevenir através de medidas muito mais inteligentes e baratas.Que o nosso consumo esbanjador precise de cinco planetas é uma história que fica no ouvido, mas é errada. O planeta que temos é mais do que suficiente. © Project Syndicate, 2009.www.project-syndicate.orgTradução: Ana Luísa Marques

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